Um ano após uma família inteira ser assassinada por seis pessoas, o crime permanece deixando marcas na história do DF. Acostumado a lidar com casos de homicídio, o promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) Nathan Neto ainda se choca com os desdobramentos da maior chacina do Distrito Federal. O crime brutal foi planejado por pelo menos dois meses e juntou a ganância pelas propriedades de um núcleo familiar com o ódio e desprezo às vítimas.
“É algo sem precedentes na nossa história”, relatou o promotor. “Nós estamos falando de um projeto criminoso que se colocou para eliminar uma geração da face da Terra”, destacou Nathan Neto. Em entrevista ao Metrópoles, o promotor revelou que sentiu mal-estar com os detalhes da violência no caso. “Esses crimes foram praticados com requintes de crueldade, que houve planejamento prévio”, completou.
Em 18 dias, Gideon Batista de Menezes, Horácio Carlos Ferreira, Fabrício Silva Canhedo, Carlomam dos Santos Nogueira e Carlos Henrique Alves assassinaram 10 pessoas, sendo três delas crianças. O crime também teve a participação de um adolescente. Eles eram conhecidos da família, e Gideon e Horácio eram caseiros da chácara familiar.
Assista à entrevista com o promotor:
Ganância e ódio
A ganância do crime está no interesse dos autores pela propriedade da família. Avaliado em R$ 2 milhões, o terreno no Itapoã que teria motivado a maior chacina do Distrito Federal tem cachoeira privativa, ampla área de capim de gado e cerca de 5 hectares — equivalentes a 50 mil metros quadrados.
* Veja fotos da chácara que teria motivado chacina
O plano, então, era assassinar toda a família para tomar posse do imóvel, sem deixar qualquer herdeiro vivo. “Nós estabelecemos família, nós escrevemos livros, nós queremos nos lançar para depois da morte e assim o que essas pessoas fizeram foi simplesmente impedir a continuação”.
O terreno, no entanto, nem pertencia à vítima, o patriarca da família, Marcos Antônio Lopes de Oliveira, o primeiro a ser assassinado. A chácara é alvo de disputa judicial desde 2020, em que os verdadeiros donos tentam recuperar o terreno.
O ódio e o desprezo estão nos detalhes da “trama macabra”, como intitulou o promotor Nathan. O crime ocorreu de dezembro a novembro, mas foi meticulosamente planejado antes. Em 23 de outubro, os acusados alugaram o cativeiro, em Planaltina, onde manteriam as vítimas reféns.
“Não é possível dizer que a ganância se isole de sentimentos peçonhentos, como ódio, inveja e o desprezo pela vida. Então, sim, certamente muito ódio, certamente muita vontade de eliminar essas pessoas para além da ganância. Isso fica muito evidente pelo modo de agir, pela forma como essas pessoas foram tratadas, pela forma horrenda como as crianças foram executadas.”
Um ano depois…
Após um ano, todos os envolvidos identificados estão presos e o adolescente apreendido. “Podemos dizer com segurança e com certeza, com tranquilidade, para a população do Distrito Federal, que nós temos elementos suficientes, temos provas que devem gerar a responsabilização dessas pessoas”, ressaltou o promotor.
“Naturalmente, numa situação onde se envolve 10 pessoas, seria muito, muito infantil da parte deles imaginar que não seriam descobertos. Afinal de contas, são 10 pessoas que simplesmente somem do mapa. E aí o mérito está justamente na atividade de investigação”, reforçou Nathan
Na última terça-feira (9/1), uma nova decisão da Justiça manteve a prisão preventiva dos acusados de participar da maior chacina da história do Distrito Federal. Para o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), as razões que levaram à prisão dos imputados “permanecem inalteradas”.
A decisão mantém a prisão de Gideon Batista de Menezes, Horácio Carlos Ferreira Barbosa, Carlomam dos Santos Nogueira e Carlos Henrique Alves da Silva. Já Fabrício Silva Canhedo, que também é réu, teve desmembramento do processo, ou seja, está em parte separada. Ele teria sido responsável por vigiar as vítimas mantidas em cativeiro em Planaltina.
Linha do tempo: as últimas horas de uma família
Em 28 de dezembro, os criminosos simularam um assalto à chácara, Marcos reagiu e Carlomam deu um tiro na nuca do homem. Na emboscada, a esposa de Marcos, Renata Juliene Belchior, e a filha Gabriela Belchior de Oliveira também foram capturadas. Os três foram levados ao cativeiro e, no local, Marcos foi esquartejado ainda vivo no chão da cozinha. Ele foi enterrado em uma cova rasa no terreno.
Durante a madrugada, o adolescente testemunhou a brutalidade, entrou em pânico com a brutalidade, pulou o muro da casa e fugiu. Por duas semanas, as duas vítimas ficaram presas vendadas no cativeiro.
Inquérito concluído: veja em detalhes a cronologia da maior do DF
Nesse tempo, os criminosos usaram os celulares para despistar amigos e namorados, enviando mensagens para eles. As mensagens não seguiam o padrão que Gabriela costumava mandar para o rapaz com quem mantinha um relacionamento, por exemplo, e por isso foram levantadas várias dúvidas quanto ao que estava ocorrendo.
Em 4 de janeiro, os criminosos enviaram uma mensagem do celular de Marcos para Cláudia Regina Marques de Oliveira, com que já teve um relacionamento e uma filha, Ana Beatriz Marques de Oliveira. Os bandidos fingiram ser o homem e avisaram que Gideon, Horácio e Fabrício ajudaria a fazer a mudança para uma casa nova.
Quando Cláudia e Ana Beatriz entram no local marcado foram rendidas por Carlomam, enquanto os outros fingiam ser vítimas também. Rendidas, as duas foram levadas ao cativeiro. Renata e Gabriela ficaram em um cômodo, e Cláudia e Ana noutro.
Em 12 de janeiro, os criminosos enviam uma mensagem do celular de Marcos para o filho dele, Thiago Gabriel Belchior. Eles fingiram ser o homem e pedem que o rapaz passe na chácara do Itapoã com a mulher, Elizamar da Silva e os três filhos: um de 7 anos e os dois gêmeos, de 6. Ao chegar ao local, o homem acabou rendido pelos bandidos.
Às 23h, Elizamar chegou ao condomínio de Renata para encontrar o marido, Thiago. Ela foi rendida pelos bandidos. Os criminosos levaram a cabeleireira e os três filhos dela para Cristalina (GO), onde asfixiaram as vítimas e queimaram o carro de Elizamar. Thiago é levado para o cativeiro.
De madrugada, a polícia encontrou o carro da cabeleireira, um Clio cinza, carbonizado com quatro corpos dentro. Dias depois, os investigadores confirmam que os restos encontrados são de Elizamar e de seus três filhos mais novos. Em depoimento, Gideon chegou a dizer que não foi fácil matar Elizamar porque “ela se debateu”.
Em 13 de janeiro, os bandidos obrigam Renata a enviar um áudio ao grupo de WhatsApp da família informando que estava em uma vaquejada com a filha e o marido e que só deve voltar no sábado. O objetivo era despistar que estivessem desaparecidas Os criminosos teriam dito que no dia seguinte Renata e Gabriela seriam liberadas.
Apenas na manhã de 14 de janeiro, o filho mais velho de Elizamar fez o boletim de ocorrência informando o desaparecimento da mãe e dos três irmãos.
No mesmo dia, Renata e Gabriela foram levadas até Unaí, quando Gideon as asfixiou com cintos de segurança. O comparsa Horácio jogou gasolina e ateou fogo no carro, mas Gideon estava muito perto das vítimas no momento em que o incêndio começou e por isso estava com marcas de queimadura quando foi preso. Esse é o segundo carro carbonizado para evitar que o corpo fosse encontrado.
Em 15 de janeiro, Thiago, Cláudia e Ana saem do cativeiro ainda vivos, mas são esfaqueados na área próxima à cisterna, onde seus corpos foram deixados, em Planaltina. No mesmo dia, a irmã de Renata faz o boletim informando o desaparecimento da irmã, do cunhado, Marcos, e dos sobrinhos Thiago e Gabriela. De acordo com o depoimento, a mulher tentou por dois dias contato com os parentes por meio de ligações e mensagens, mas não obteve resposta.
Na madrugada de 16 de janeiro, a polícia encontrou o segundo carro carbonizado com duas pessoas dentro. O automóvel é um Siena branco no nome de Marcos Antônio. Dias depois, os peritos identificaram os corpos como de Renata e Gabriela. Até esse momento, Marcos era apontado como um dos suspeitos do caso.
No mesmo dia, familiares registraram o desaparecimento de Cláudia Regina de Oliveira de Ana Beatriz de Oliveira. Elas já tinham sido sequestradas em 4 de janeiro e assassinadas no dia anterior.
As investigações tiveram início e foram identificados dois suspeitos: Gideon Batista e Horácio Carlos. Em 17 de janeiro, a polícia encontrou Gideon. A suspeitas aumentaram porque o homem apresentava lesões de queimadura nas mãos e tinha grande quantia de dinheiro e um veículo que seria de Ana Beatriz.
Horácio foi localizado fazendo um serviço de mecânica em um carro na rua. Com as investigações, Fabrício foi apontado como um terceiro envolvido na trama, que foi localizado com o carro de Cláudia.
A polícia chegou ao cativeiro alugado pelos criminosos. No local, os investigadores encontraram documentos e objetos pessoais de todos os desaparecidos. Diversos aparelhos celulares, uma mochila com notebook, roupas femininas e outros objetos.
No primeiro depoimento, os acusados apontaram que as mortes da família tinham sido encomendadas por Thiago e Marcos. “É um caso que gerou comentários em toda comunidade”, declarou o promotor de Justiça Nathan Neto, responsável pelo caso pelo MPDFT. “São teses que são levantadas, são pré- julgamentos estabelecidos. Eu me lembro que uma das vítimas foi inclusive colocada como suspeito”, completou.
Dez mortos na mesma família: a maior chacina da história do DF
No dia seguinte, os cães farejadores do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal (CBMDF) encontraram um corpo do sexo masculino desmembrado no local que serviu de cativeiro. Dias depois eles confirmam que o corpo era de Marcos, causando uma reviravolta nas investigações.
Em 22 de janeiro, a polícia encontrou no cativeiro e no carro impressões digitais de um quarto suspeito, Carlomam dos Santos Nogueira – integrante da facção Primeiro Comando da Capital. Ele ficou foragido por três dias até se apresentar à delegacia.
Em 24 de janeiro, a PCDF descobriu mais três corpos na cisterna de uma casa abandonada a cerca de 5km do cativeiro onde as vítimas foram mantidas reféns. Em menos de 24 horas, investigadores identificam que eram as três vítimas até então desaparecidas: Cláudia Regina Marques de Oliveira, Ana Beatriz Marques de Oliveira e Thiago Gabriel Belchior.
Em 26 de janeiro, a polícia chega ao quinto envolvido no crime: Carlos Henrique Alves da Silva, que tentou fugir pelo telhado.
O MPDFT denunciou, em fevereiro, cinco pessoas pelo envolvimento na maior chacina registrada na capital do país. No mesmo mês, a Justiça aceitou a denúncia e todos eles viraram réus.
O adolescente foi julgado e recebeu pena máxima permitida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que é a prisão por tempo indeterminado por até três anos.
Apesar dos avanços com a investigação, ainda não há data para o julgamento dos demais envolvidos.
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